terça-feira, 8 de dezembro de 2015

020 - Indo ao Galeão

Olá, pessoa querida que me acompanha nesta doideira que é a Filmoteca! Que bom lhe ver por aqui!
Bem, estas últimas semanas, eu rolei uma enquete como resposta aos insistentes clamores de algumas pessoas que acompanham meus trigêmeos. Como sempre pediram que eu colocasse notas nas avaliações, eu pensei que esta seria a hora ideal para deixar que VOCÊ, car@ leitor@, decidisse por mim (é, eu sou assim quando tenho minha mente feita e do nada mudo de idéia - a dúvida impera).
Eu tenho certeza de que vocês já viram na Discoteca, mas tenho que anunciar em todos os trigêmeos que a enquete finalizou assim:
Sendo assim, como dizem que a voz do povo é a voz de Deus, faço minhas as palavras de clamor popular e anuncio que o sistema de cotações de obras da Filmoteca, da Biblioteca e da Discoteca permanecem!
APLAUSOS
Fonte da imagem: http://gshow.globo.com/
E então, partamos à obra de hoje, que é disso que o povo gosta, não é?
Este sábado, dia 05 de dezembro de 2015, todo o Brasil enlutou com a notícia do falecimento de Marília Marzullo Pêra. Aos 72 anos de idade, ela não resistiu à metástase de um câncer nos ossos que se espalhou pelos pulmões.
Sempre a considerei uma das maiores oficiantes da grande arte que é a atuação. Ela era alguém que vivia arte: bem mais que interpretar, ela também cantava divinamente bem, bailava e coreografava, dirigia e produzia espetáculos. Uma rara DIVA! Completa!
Então, esta semana, a Filmoteca buscou um filme em que ela tenha reinado absoluta, e mostrasse a tod@s o que é um padrão de excelência mundial. Não havia outra coisa a se fazer, aqui.
Pois esta é a minha homenagem à grande Marília Pêra.

Fonte da imagem: http://www.cinemabrasileiro.net/

Título: Dias Melhores Virão
Distribuição: Embrafilme
Produtora: CDK, Embrafilme e Skylight Cinema Foto Art
Data de lançamento: 1989
Direção: Cacá Diegues
Produção: Cacá Diegues e
Roteiro:
Antônio Calmon, Vicente Pereira, Vinícius Vianna e Cacá Diegues (baseado em história de Antônio Calmon)
Elenco: Marília Pera (Marialva 'Mary' Mattos)
Paulo José (Pompeu)
Zezé Motta (Dalila)
José Wilker (Wallace Caldeira)
Rita Lee (Mary Shadow)
Marilu Bueno (Adelaide)
Paulo César Pereio (Pereira)
Antônio Pedro (Salgado)
Betina Vianny (Janete)
Benjamin Cattan (Ferreirão)
Jofre Soares (Coronel)
Lília Cabral (Secretária)
Aurora Miranda (Aurora)
Sandra Pêra (Tânia)
Antes de começar a discorrer sobre o filme, vou logo bater minha bota na terra! Dias Melhores Virão carrega Alagoas em seu celulóide: o diretor Carlos Diegues, um dos nomes do Cinema Novo brasileiro, é maceioense da gema! E pra mostrar que é homem arretado, tem uma filmografia bem recheada, de fazer inveja a muito Barreto por aí, que abrange clássicos ("Xica da Silva"), filmes de baixo orçamento ("Um Trem para as Estrelas") ou de grande ("Deus É Brasileiro"), originais ("O Maior Amor do Mundo") ou adaptações ("Tieta do Agreste", "Orfeu") - Cacá Diegues joga em todas as pontas! E o mais importante é que, mesmo não vivendo em seu estado natal desde os seis anos de idade, Alagoas nunca saiu de si, nem se duas obras. Seja em narrativa ("Ganga Zumba", "Quilombo") ou em locações ("Deus É Brasileiro", "Bye Bye Brasil"), para cá ele sempre retorna. E ele é um dos raros cidadãos que o Estado soube apreciar - tanto que, em 2000, ele foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem do Mérito de Palmares, pelo Governo de Alagoas.
Fonte da imagem: https://laamoraa.wordpress.com/
Marialva - ops, perdão, MARY MATTOS, é uma dubladora que sonha em se tornar estrela de Hollywood. Tal qual Roxy Hart, Marialva vive a sonhar acordada - com o primeiro namorado, falecido tragicamente, com Mary Shadow, estrela duma sitcom por ela dublada, com ilusões de grandeza e fama. Eventualmente, ela se relaciona com o diretor de seu grupo de dublagem, que desapercebidamente a incentiva a correr atrás de seu sonho, o que causará muita confusão, na certeza de que Dias Melhores Virão.
O início do filme é precioso e sensível, especialmente quando levamos em conta o período pelo qual o Brasil passava quando o filme foi concebido - a abertura política, o derradeiro final da ditadura e o início da era Collor, pré-extinção da Embrafilme. Marialva levanta questões importantíssimas de identidade cultural brasileira, que perduram até hoje: o estigma de que nenhum trabalho audiovisual que se faça no País presta, enquanto aquilo que se faz nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Japão ou até (oh, céus) no México lá fora deve ser celebrado e/ou endeusado. Esta mentalidade vira-lata está presente em posts de amig@s no Facebook, nas conversas com conhecid@s nos mais variados lugares, nos escritos de determinad@s "colunistas de revistas de grande circulação". O próprio tom do filme, pastiche de sitcoms estadunidenses (especialmente "I Love Lucy"), parece ser uma crítica a este pensamento.
Fonte da imagem: http://expirados.blogspot.com.br/
Quando Dias Melhores Virão resolve focar nas doidices de Marialva (especialmente quando o namorado casado entra em cena), a qualidade do filme cai. É como se a identidade que se vinha construindo nos primeiros minutos fosse desconstruída à força e trocada por outra que realmente não é atrativa. E, a partir daí, a narrativa alterna entre um e outro, raramente "dando uma liga" e formando uma unidade.
O roteiro de Dias Melhores Virão, baseado na história de Antônio Calmon, como foi implicitado, não é lá estas coisas, mas o elenco é primoroso e o defende muito bem! Betina Vianny e Marilu Bueno fazem a dobradinha que viria a se tornar, um dia, Violeta e Margarida. O grande Paulo José está adorável como o cineasta frustrado Pompeu (a cena em que toca o clássico "Beatriz" é linda). O saudoso José Wilker está canastrão até o último fotograma de celulóide como o dono de agência de turismo casado (para mim, não há nada errado em ser um ator canastrão - às vezes, é o que funciona: Jack Nicholson e Jake Gyllenhaal estão aí para provar). Outro ponto de nota é a presença de Aurora Miranda em várias pontinhas pelo filme. Se percebermos bem, Marialva não é nada mais, nada menos que uma grande homenagem à irmã dela, Carmem Miranda - aquela que conseguiu tudo o que Mary deseja na vida.
Fonte da imagem: http://expirados.blogspot.com.br/
Zezé Motta, musa de Diegues desde "Xica da Silva", dá vida a Dalila, a voz da razão e maior contraponto a Mary. Negra, pobre e trabalhadora , a personagem toca o assunto do racismo com passagens muito breves, mas certeiras como uma bala perdida: não raro, ela brinca que não pode ser vista pela polícia conversando com uma pessoa branca, porque será confundida com um bandido. Ela mora com um senhor de idade que foi patrão de sua mãe e que eu quero muito matar eletrocutado pelos maus tratos a um pobre gato, e sua vida amorosa (com um admirador estadunidense louco por ela a enviar cartas e mais cartas) expõe toda a inveja de Marialva.
Rita Lee está quase irreconhecível como a caricata Mary Shadow. Embora não indefectível (bastam alguns segundos para perceber que é ela, mesmo), algo nas atitudes e no porte mostram uma pessoa completamente diferente. Ela deveria investir no filão de atriz mais vezes, com certeza! E a canção-título, de sua autoria - com o maridão Roberto de Carvalho (assim como toda a trilha sonora), é um belíssimo e contagiante pedaço de samba pop, cuja letra parece ter saído da mente doidivanas de Mary.
Fonte da imagem: http://www.bcc.org.br/
Mas Dias Melhores Virão é um filme de Marília Pêra. Em suas mãos, Marialva ganhou nuances que a tornam crível. Mesmo com uma personalidade over (que pede um tipo de interpretação mais cartunesco, diferente de quase todo o elenco, que buscou um viés mais realista, mais "novela do Manoel Carlos"), toda a alegria e os figurinos vibrantes (obra da ótima Emília Duncan), Mary é uma mulher triste e solitária - e um papel dos sonhos para qualquer atriz do calibre de Marília. Fica fácil entender a razão dela ter aceitado participar desta película: Mary é um espaço para mostrar suas habilidades em atuação, canto e dança.
Fonte da imagem: http://musicandeu.blogspot.com.br/

Meu coração faz tchica-tchica, bu-tchi!...
Dias Melhores Virão, por trás de toda a sua "plastificação" visual e críticas à situação do cinema brasileiro (e da recepção do público a ele), não deixa de ser um filme peso-pena. É uma obra ideal para se ver numa sessão vespertina destas da vida, com um grupo legal em frente à televisão (detalhe curiosíssimo: o filme estreou NA TELEVISÃO, e não nos cinemas). Com o tempo, veio a se tornar um filme icônico por conta tanto de sua situação de um dos últimos filmes a serem distribuídos pela finada Embrafilme quanto pela atuação singular e premiada da razão de ser deste obra: Marília Pêra.

Denver International Film Festival 1990:
Realização Proeminente na Arte de Filmagem (Cacá Diegues)
Festival Internacional de Cine de Cartagena de Indias 1991:
Melhor Atriz (Marília Pêra)
Melhor Roteiro (Antônio Calmon, Vicente Pereira, Vinícius Vianna e Cacá Diegues)
Associação Paulista de Críticos de Arte 1991:
Melhor Atriz (Marília Pêra)

VEJAM TAMBÉM!
Biblioteca

"Unidades de Conservação de Alagoas"
(técnico)
Alex Nazário Silva Oliveira, Clarice Maia F. de Amorim e Rosângela P. de Lyra Lemos
Discoteca

"It's Obvious It's Obvious"
(album)
Gabe Lopez

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