terça-feira, 15 de setembro de 2015

008 - Paga Salário de Bufão, mas Come o que a População Não Come...

Olá, amadinh@s de Tom!
Como estamos? Espero que bem, maravilhos@s, phyn@s e ryck@ws, porque estou cheio de ter amig@s pobres, pelamordedels!
Enquanto escrevo esta postagem, que é mais uma fura-fila que eu invento pra me endoidar a escrever em cima da hora, me peguei perguntando se estes blogs não estão me fazendo mal. Escrever para esta Filmoteca, assim como para a Discoteca e para a Biblioteca tem me trazido algumas sensações que há muito que não sentia (e não queria sentir), lembranças enterradas bem fundo em meu subconsciente que nem achei que existissem, mais! Revi opiniões, descobri idiossincrasias e incoerências - e me pus deliberadamente numa quantidade considerável de stress de escrever postagens em cima da hora, tendo outras já prontas e programadas.
Foi então que minha amiga Tânia ouviu pacientemente minhas xurumelas e disparou: "Seus blogs não estão lhe fazendo mal! Escrever está lhe fazendo um bem, porque você está descobrindo coisas novas sobre você, mesmo. E isso dói, um pouco!"
Tudo isso através de MÚSICAS, de FILMES e de LIVROS! Dá pra acreditar que isso seja possível? Que estas obras tenham tamanho poder? Pessoalmente, sempre soube e acreditei que sim, agora, com pouco mais de um mês e meio de vida de meus trigêmeos, pude comprovar isso a fundo!
Por que raios estou falando tudo isso? Porque o filme de hoje foi mais um a criar um furacão dentro de mim e mexer com minhas estruturas internas! Bora logo pra ele!

Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/

Título: Que Horas Ela Volta?
Distribuição: Pandora Filmes
Produtora: Africa Filmes, Globo Filmes e Gullane Filmes
Data de lançamento: 27/08/2015
Direção: Anna Muylaert
Produção: Anna Muylaert, Débora Ivanov, Fabiano Gullane e Gabriel Lacerda
Roteiro: Anna Muylaert e Regina Casé
Elenco: Regina Casé (Val)
Camila Márdila (Jéssica)
Michel Joelsas (Fabinho)
Lourenço Mutarelli (Zé Carlos)
Karine Teles (Bárbara)
Helena Albergaria (Edna)
Luis Miranda (Antonio)
Theo Werneck (Vandré)
Luci Pereira (Raimunda)
Val deixou sua filha Jéssica no interior de Pernambuco e foi trabalhar em São Paulo para garantir à menina melhores condições de vida. Lá, virou babá de Fabinho, filho de Bárbara e Zé Carlos, e passou a morar integralmente com a família abastada no bairro do Morumbi. Treze anos depois (três deles sem qualquer forma de contato), Jéssica aparece para prestar um dos vestibulares mais concorridos do país: Arquitetura e Urbanismo na USP. Fabinho também prestará o Fuvest, mas em outro curso. Inicialmente, os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, mas as coisas começam a mudar de figura quando Jéssica passa a questionar a hierarquia ali estabelecida e reivindica papel de hóspede, invés do de serviçal. A convivência tanto com os ultrajados patrões quanto com a conformada Val azeda rápido. E está formada a tônica de "Que Horas Ela Volta?".
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Mãe e filha aparando as arestas.
Quando eu era pequeno (OK, quando eu era MENOR!!!), nós tínhamos apenas um carro - um Del Rey azul, lindo! - então meus país iam trabalhar juntos: meu pai minha mãe deixava no trabalho dela e seguia para o seu. Até aí, tudo certo. Certo? Nada! Meu irmão e eu éramos pequenos, e acordávamos cedo. Obviamente, queríamos nossos país conosco. Vê-los sair logo após o café era doloroso - e deveria ser também pra eles, mas duvido que não fosse mais pra nossa empregada, que tinha que lidar com nosso choro por uma quantidade razoável de tempo, coitada! Eventualmente, começamos a acordar tarde, assim, não teríamos que ver nossos pais partirem.
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Trabalha, bandinêgu!
Atualmente, Ciça ocupa a "vaga" em casa já tem mais de dez anos. Mas antes dela, foram Quitéria, Ana Rosa, Neide, Silenira... Várias empregadas passaram pela nossa casa, com maior ou menor tempo, com resultados melhores ou não-tão-bons. Mas "Que Horas Ela Volta?" me acordou pra um ponto: enquanto elas estavam ali, ajudando a nos criar enquanto nossos país precisavam trabalhar para nos sustentar, (a maioria d)elas mesmas tinham os seus rebentos, e não podiam criá-los por estarem ocupadas comigo, com meu irmão e nossa casa - e não recebiam o suficiente para ter sua própria doméstica - ou a sorte de ter alguém que as ajudasse com seus rebentos. Como elas deviam se virar nesse quesito? Como elas seguiam a pensar em seus meninos tendo que cuidar dos de outra pessoa? Ciça me conheceu já cabra criado, então, não pode dizer que ajudou a me criar, mas ela mesma tem suas rebentas, e eram bem jovens quando começou conosco.
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"Minha coisa mais rica!"
É fácil para muita gente como eu se por nos pés de Fabinho. Deve ser fácil para muita gente como Ciça se por nos pés de Val. Também deve ser fácil para vári@s crianç@s e garot@s se colocarem nos pés e Jéssica. Agora, deve ser extremamente incômodo se pôr nos pés de Bárbara e José Carlos - porque eles são os "patrões maus" e sem noção, acostumados ao status quo de grandes compradores e senhores das vidas de seus empregados. A conquista de direitos trabalhistas pela classe doméstica e o aumento do seu poder de compra, através de programas sociais de auxílio e moradia (necessários e importantes, mas infelizmente feitos de forma eleitoreira), colocou esta situação em cheque, e expõe os ranços e preconceitos escondidos - e vê-los jogados na cara de forma tão bruta (mesmo em se tratando de uma comédia) não é legal. Você simplesmente não quer ser @ vilã@.
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Casal 20 dando festa pra high society.
"Que Horas Ela Volta?" retrata um Brasil em plena transformação social pós-2004, em todos os sentidos, para o bem e para o mal: @s filh@s da empregada e do zelador podem até não estudar nas melhores escolas primárias e secundárias, mas possuem a chance de competir - e ganhar - uma vaga nas melhores universidades; uma família inteira reunida à mesa com smartphones na mão, intercomunicação dez, comunicação zero; uma classe pobre com poder de compra poucas vezes vista antes; pais e mães workaholics e vaidosos ao ponto de se tornarem seres estranhos dentro de suas próprias casas; jovens de origem humilde que não aceitam o paradigma firmado sobre seus ancestrais para si - tod@s querem o bom e o melhor do mundo para si e assim o reivindicam.
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Crise no seio familiar.
Em meio aos pontos de Brasil2000, outros pontos do Brasil colônia aparecem por aqui: o patrão que pega a empregada (e ainda tenta pegar a filha); o filho irresponsável que faz farra e tenta se engraçar com a filha da empregada, sem se preocupar com os estudos; a patroa que quer parecer boazinha, mas não permite que a empregada "que faz parte da família" passar da porta da cozinha se não for pra limpar, nem que ela consuma seus produtos favoritos; pessoas usando línguas estrangeiras como forma de sarcasmo e agressão covarde e cruel, eu diria, contra alguém que não entende o que está sendo dito. Sem esquecer dum certo câncer subcutâneo do Brasil república que já teve metástase e externou: "nordestinos não possuem boa educação", "gente do norte não pode conviver conosco - deve nos servir". Disse algo estranho?
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Me serve, que eu tô arrebentada!
Bárbara, em dado momento, diz a Val "não parece, mas essa casa ainda é minha". No papel, a casa é de Zé Carlos (herança familiar e, até onde o filme mostra, eles não são casados em comunhão de bens, ou nem mesmo são casados legalmente). Na prática, ela, um nome conceituado no mundo da moda (embora não esteja especificado qual exatamente seja o seu ofício), trabalha tanto (para) fora que pouco sabe do que se passa dentro da casa. Mesmo quando está em casa, permanece absorta em suas atividades e ignora o mundo ao seu redor. Fabinho fuma maconha adoidado (com a conivência de Val), e nega até a morte - por mais que a mãe saiba (sim, há algo que ela sabe!) e cobre honestidade dele. Ele também não lhe dá a devida importância (nem o respeito) que sua posição de mãe exige - a ponto de sequer se importar quando ela sofre um acidente e passa a noite num hospital - isso deve doer... Zé Carlos passa pela crise de meia-idade - o filme não explicita, mas parece que ambos não dormem juntos a um bom tempo - e tem o hábito de "visitar a senzala" (outra coisa que o filme implica que Bárbara sabe ou suspeita). Val é quem sabe os horários e os hábitos, tanto dos empregados quanto de Meg, dos patrões e de Fabinho, sua "coisa mais rica", a quem ela deu todo o amor que não pôde dar a Jéssica - o que lhe garante controle (talvez inconsciente) sobre a casa, com a cumplicidade (consciente) de tod@s.
Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/

ALERTA TIO DA SUKITA!!!
A pobre Meg é um personagem que ganha destaque pra mim - Meg é a cadela da família, mas é basicamente a cadela de Val. Em momento algum do filme, Bárbara, Zé Carlos ou Fabinho falam com ela, brincam com ela ou chegam perto dela. Nem os outros empregados. Apenas Val interage com ela, a leva pra passear, a disciplina e parari-parará etc. Morando na Ponta Verde, bairro nobre de Maceió, e passeando com Hachi, é fácil ver que os cães da região raramente passeiam com seus "humanos" - passeiam é com as empregadas del@s. E duvido muito que seja com aquel@s que se julgam "don@s" que os pobres canídeos queiram conversa ao fim do dia. Do mesmo modo que as crianças, os animais ditos "irracionais" dão seu amor a quem lhes dá comida, educação, carinho e atenção constantes - difícil para quem não está muito tempo em casa, nem se dispõe a passar algum tempo de qualidade.
Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/

Se até a filha da empregada pode nadar na piscina, por que a pobre cadela não pode?
"Que Horas Ela Volta?" não traz respostas nem saídas para os conflitos sociais que expõe. Anna Muylaert preferiu se afastar de tratados sociológicos e se apegar aos sentimentos que ficaram à flor da pele com a situação nada absurda que se sucede em seu roteiro para dar um desfecho satisfatório ao caso específico de Val, Jéssica e Bárbara. Não deveria, nem poderia pretender tanto. A escolha foi acertada. O filme já é um sucesso de bilheteria no Brasil, além de agradar público e crítica - tanto que já vem colecionando prêmios em festivais internacionais - destacando a criação de um prêmio para atuação no Festival Sundance para ser dado a Regina Casé e Camila Márdila.

Sundance Film Festival 2015:
Prêmio Especial do Júri para Melhor Atriz de Filme Estrangeiro (Regina Casé), empatada com Camila Márdila, por "Que Horas Ela Volta?"
Prêmio Especial do Júri para Melhor Atriz de Filme Estrangeiro (Camila Márdila), empatada com Regina Casé, por "Que Horas Ela Volta?"
Melhor Filme Estrangeiro (Anna Muylaert) - Vencedor: John Maclean, por "Slow West"
Berlinale 2015:
Prêmio do Júri para Melhor Filme de Ficção - Mostra Panorama (Anna Muylaert)
Prêmio do Público para Melhor Filme de Ficção - Mostra Panorama (Anna Muylaert)
RiverRun International Film Festival 2015:
Prêmio do Júri para Melhor Roteiro (Anna Muylaert)
Seattle International Film Festival 2015:
4º lugar: Melhor Atriz (Regina Casé) - Vencedora: Nina Hoss, por "Phoenix"
World Cinema Amsterdam 2015:
Prêmio da Audiência para Melhor Filme (Anna Muylaert)

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